Naturalmente isolada, Fernando de Noronha viu o novo coronavírus chegar pelo aeroporto
O aeroporto sempre foi o local de entrada da “riqueza” de Fernando de Noronha: os turistas, que traziam os recursos para alimentar a economia local. Mas foi também a porta de entrada para o novo coronavírus.
Com cerca de 3,3 mil habitantes, 26 pacientes tiveram o exame positivo para a doença, até o sábado (18). Proporcionalmente, o arquipélago é o local com uma das maiores incidências de casos confirmados da Covid-19. Por isso, a partir de segunda-feira (20), Fernando de Noronha está sob quarentena, decretada pelo governo do estado.
De acordo com o superintende de Saúde da Administração da Ilha, Fernando Magalhães, uma investigação indicou o aeroporto como foco da Covid-19.
“Nós podemos afirmar, com o inquérito epidemiológico, que a contaminação foi no aeroporto. Isso ocorreu no momento de entrada ou saída de algum turista. O fluxo no local era grande, num espaço concentrado. A contaminação está comprovada”, afirmou.
Os infectados, até o sábado (18), são 16 homens e dez mulheres, com idades entre 25 e 59 anos. Grande parte dos pacientes trabalha ou tem parentes no aeroporto.
O primeiro caso confirmado de coronavírus – e também o primeiro a ter a cura clínica na ilha – foi o inspetor de segurança do aeroporto, Luiz Carlos Andrade, de 48 anos.
“Eu acho que eu posso ter contraído a doença no meu trabalho, com o entra e sai de passageiros, moradores e turistas. Eu fiquei 22 dias em isolamento, tive medo que a doença se agravasse”, disse Andrade, que ficou isolado no alojamento da empresa e teve febre, dor de garganta e dor de cabeça.
O gerente operacional do aeroporto, Cláudio Alencar, de 36 anos, chefe de Andrade, também contraiu o coronavírus. Ele ainda está em isolamento domiciliar. Cláudio acha que se contaminou com a Covid-19 com o amigo do trabalho, mas teve a sorte de ser assintomático.
“Eu tive contato com Andrade, nós usávamos o mesmo carro, e apesar de tomar todos os cuidados, usando luvas e máscaras, houve uma falha. Como é um vírus de fácil disseminação, terminei sendo contaminado”, contou.
Cláudio Alencar testou positivo, não apresentou sintomas — Foto: Cláudio Alencar/Acervo pessoal
A funcionária da empresa Gol Linhas Aéreas Cláudia Cavalcanti, de 38 anos, também credita ao trabalho a contaminação pelo novo coronavírus. Casada, mãe de dois filhos, ela já fez cirurgia bariátrica e temia a Covid-19.
“Na minha família nós tínhamos muito medo de contrair a doença. Meu marido é diabético e meus filhos têm imunidade baixa, eles têm asma. No meu trabalho eu comecei a sentir dores de cabeça e tontura. Acredito que peguei o coronavírus no aeroporto, foi o único local que estive com aglomeração”, falou.
Cláudia está no quarto isolada há 14 dias. Nesse período, houve a comemoração do aniversário do filho Pedro, que fez dez anos. O garoto preparou o próprio bolo e pediu de presente a cura da mãe. Apenas na hora do bolo, ela saiu do quarto para cantar o “parabéns para você”.
“Nós usamos máscaras e eu participei da festinha do meu filho, éramos só nós. Ele me deu o primeiro pedaço do bolo e pediu por minha saúde, fiquei muito emocionada”, contou Cláudia, que no sábado (18) recebeu a notícia da cura clínica.
Cláudia comemorou o aniversário do filho de máscara — Foto: Cláudia Cavalcanti/Acervo pessoal
Já o agricultor Fernando Ferreira da Silva, de 43 anos, acredita que contraiu a Covid-19 ao ter contato com a sobrinha, que trabalha na Gol e também contraiu o novo coronavírus. Ele foi o único paciente da ilha a ter complicações respiratórias, sendo transferido num avião de salvamento para o Recife.
Fernando precisou ser internado da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Oswaldo Cruz, referência na capital para o tratamento da Covid-19. Depois de cinco dias de internação, teve alta. Apesar de não ter ainda a cura clínica, comemorou o fim dos sintomas.
“Passou tudo: febre, dor de cabeça, falta de ar. Agora estou bem de verdade. No dia 27 vou retornar ao médico e, se Deus quiser, ter autorização para retornar à ilha”, prevê Fernando Ferreira.
Estrutura de saúde
Hospital São Lucas, em Fernando de Noronha — Foto: Ana Clara Marinho/G1
Fernando de Noronha conta com o Hospital São Lucas, unidade de saúde de média complexidade com 12 leitos e duas salas vermelhas, com um total de cinco aparelhos respiradores. A ilha tem também a Unidade Saúde da Família, que faz o atendimento de pacientes com Covid-19 com sintomas leves.
Devido à pandemia, a administração da ilha iniciou a construção de um hospital de campanha, o Covid Noronha 1, que está na fase final da obra. A unidade está sendo implantada na Escola Arquipélago e terá seis leitos, mas caso seja necessário o local poderá receber até 12 pacientes.
A unidade também não terá leitos de UTI. Os casos mais graves são transferidos para o Recife.
O hospital de campanha está sendo instalado na Escola Arquipélago — Foto: Ana Clara Marinho/TV Globo
O governo do estado disponibilizou uma aeronave de salvamento para possíveis transferências. “Nós já temos a preferência de uso do avião de salvamento do estado. Caso seja preciso faremos a transferência com rapidez, o que já ocorreu”, afirmou o superintende Fernando Magalhães.
Aeroporto fechado
Aeroporto de Fernando de Noronha está recebendo um voo semanal, apenas, aos sábados — Foto: Ana Clara Marinho/G1
Com a comprovação de que o funcionamento do aeroporto era a grande ameaça de Fernando de Noronha, o governo do estado proibiu o turismo desde o dia 21 de março e a entrada de moradores desde o dia 5 de abril.
A transmissão comunitária já foi confirmada, e as medidas restritivas só aumentam, como o fechamento das praias e do comércio local. A partir de segunda-feira (20), um decreto do governo estadual coloca a ilha em quarentena e, para circular, o morador vai ter que pedir autorização à Administração de Noronha.–:–/–:–
No sábado (18), chegaram em Fernando de Noronha os policiais militares que vão trabalhar nas ruas, para garantir o cumprimento do decreto de quarentena. Um total de 32 PMs e quatros policiais civis vão reforçar a equipe de segurança que já está na ilha (veja vídeo acima).
O administrador do Distrito, Guilherme Rocha, considera que o alto número de casos confirmados é um reflexo da quantidade de testes realizados. Segundo ele, Noronha é o local com o maior número de testes do mundo, proporcionalmente.
“Até agora nós já testamos mais de 150 pessoas, isso dá 4,5% da população. Se nós fossemos um país, seríamos o país com o maior número de testes no mundo. A Alemanha, que é a maior referência, testa 15 mil pessoas para 1 milhão. Proporcionalmente nós teríamos 32 mil testes para 1 milhão de pessoas em Noronha”, declarou.
Para o administrador, o melhor caminho é a testagem em massa, que vai prosseguir. “Nossa equipe conta com muitos especialistas que estão nos orientando. Estamos no caminho certo, vamos continuar testando em massa para ter o controle total do coronavírus na ilha”.
Rocha acredita que a estratégia vai ser suficiente para controlar a pandemia em Fernando de Noronha e disse que não há previsão para a reabertura da ilha.
O aeroporto está fechado para o turismo, mas recebe um voo por semana, aos sábados, quando moradores podem deixar Noronha. Nessas aeronaves só podem chegar servidores públicos autorizados, como médicos, enfermeiros, policiais e bombeiros.FONTE: https://g1.globo.com/